12 de set. de 2009

Fuga

Ela continuava correndo.

Sua pele negra transpirava não apenas suor, mas pensamentos, os mais diversos possíveis.

Cada passada era um fardo a menos. Cada passo era um marcapasso dentro de si.

Quanto mais corria, mais se lembrava de suas cicatrizes, causadas pelo ex-marido em seu trágico casamento feito as pressas.

Seu cabelo curto, duro e mal cortado mal voava no vento, tão forte, frio e intenso.

Corria mais rápido, corria mais depressa, não corria contra o tempo.

Pelo contrário.

Sua descrença é imediata. Seus pensamentos são uma mistura de amor e ódio. Raiva e desejo.

Desejo de voltar no tempo, corrigir arrependimentos.

Não caía a chuva, mas o céu estava nublado, cinzento, carregado. A garôa pairava sobre o ar, tornando-o cada vez mais frio, mais gélido.

Gélido como seu coração, pulsando apenas por um único motivo.

Motivo de esquecer.

Para poucos, ela era bela. Para muitos, era fera.

Para a mídia, era estatística.

E corria como o vento.

Cada passo martelava uma lembrança. Cada ofegada aliviava um pesadelo.

O frio pairava no final da tarde, mas sua pele negra, cortada, mal-cuidada e suada continuava quente.

Era Ela ou Ele.

Acelerou mais a corrida, mesmo depois de horas a fio. Já havia saído do parque á horas. Já cruzava ruas e ruas tentando ficar cansada, mas o cansaço não vinha, pelo contrário.

Tinha que desafiá-lo, precisava provar a si mesmo que era independente Dele.
Precisava provar a si mesma que Ele não existia.

Ele a abandonara nos momentos mais difíceis.

Para ela, as ruas não existiam faixa de segurança, por mais que as pessoas xingassem.

Não ouvia nada. Não conseguia sentir ninguem ao seu redor.

Apenas seus passos, apenas sua corrida, apenas seu suor.

Fugia de si mesma, fugia Dele.

Fugia da vida, já a muito tempo.

Contra o perdido tempo, contra Ele.

2 comentários:

Gueixa disse...

E o Bruxo continua com a sensibilidade à flor da pele.
Encantador como sempre.

Anônimo disse...

Já percebi que vc é bamba em captar momentos de emoção.
Parabéns